29 de março de 2024

Por que as drogas psicodélicas estão mais perto do mercado convencional

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O aumento da permissão de uso de psicodélicos como terapia promete transformar a forma como vemos o extraordinário.

Foi em 1971 que Rick Doblin usou LSD pela primeira vez.

Era uma tarde de sábado na Flórida, em suas primeiras semanas na faculdade. Quatro anos haviam se passado depois do Verão do Amor – quando milhões de jovens invadiram São Francisco, Londres e outras cidades em meio a música e drogas -, mas os psicodélicos ainda circulavam pelo campus.

LSD, ou Dietilamida de Ácido Lisérgico 25, é uma substância ardilosa. Imitando a morfologia da serotonina, ela bloqueia as sinapses dos receptores 5-HT2A do cérebro para acionar uma onda evidente de cognição: rupturas drásticas de visão, padrões de pensamento, crenças e emoções.

Em uma hora, os efeitos da substância se manifestam. Surge uma sensação estranha, difícil de ser descrita. Formas e caleidoscópios podem surgir e dançar em sincronia.

Poderão surgir conexões sinestésicas – quando você consegue ouvir ou sentir o gosto das cores. Dependendo da dose, no pico da droga você pode ser atirado para uma dimensão totalmente alterada: um lugar esquisito, cheio de entidades, cobras, desenhos atrás dos olhos, cadeias de DNA e uma admiração radicalmente ampliada de arte e estética. Ou algo muito mais sombrio.

O mundo de Doblin zumbia, palpitava, cantarolava. Depois de flutuar pela cantina do campus, ele voltou para o dormitório para ter uma viagem interior.

Observando seu amigo – também sob uso de LSD -, Doblin foi surpreendido por uma visão nova. Ele não só deduzia os pensamentos e emoções do colega. Doblin conseguia vê-los, claros como o dia. O conforto, bem-estar e o calor do seu amigo eram tão visíveis quanto seus braços e pernas.

As experiências transformadoras são diferentes da maioria, mesmo das mais dramáticas.

Doblin queria sentir-se livre. Ele estava se desfazendo. Na sua própria rotoscopia do LSD, Doblin havia voltado a ser criança – não mais um adulto – e o desequilíbrio entre as emoções e o intelecto que dirigia sua vida diária era sensível. Mas Doblin percebeu que ele se sentia assim por um motivo. E isso significava que ele não era estático. Ele podia mudar as coisas. Ele podia ser livre.

Para o filósofo L. A. Paul, a experiência de Doblin pode ser descrita como “transformadora”. Elas não são como a maioria das experiências, mesmo as mais dramáticas. O que as torna especiais é a forma como elas mudam uma pessoa: suas preferências, ideias e identidades são viradas do avesso. Quando Doblin fez sua primeira viagem, talvez ele não tivesse percebido que, no dia seguinte, ele não seria a mesma pessoa.

Doblin depois soube que ele estava a caminho de algum lugar. Ele faria outras viagens – muitas das quais foram desestabilizadoras – mas divulgar o potencial terapêutico das drogas psicodélicas tornou-se a missão da sua vida.

Hoje, Doblin é o executivo fundador de uma organização sem fins lucrativos chamada Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, na sigla em inglês), cujo propósito é aproximar as drogas psicodélicas do uso mainstream (convencional) na medicina e em outros campos. A organização aconselha os cientistas a conduzir testes e obter financiamento, além de trabalhar em estreita colaboração com os órgãos reguladores.

Os esforços de Doblin e de outras pessoas estão sendo finalmente recompensados. Nos últimos dez anos, drogas psicodélicas como o LSD, cogumelos mágicos, DMT, uma série de “remédios vegetais” – incluindo ayahuasca, iboga, sálvia alucinógena e peiote – e compostos relacionados, como MDMA e cetamina, começaram a perder grande parte do estigma adquirido na década de 1960.

Testes clínicos promissores sugerem que os psicodélicos podem tornar-se tratamentos inovadores contra a depressão, transtorno de estresse pós-traumático e vício. Grande parte da comunidade psiquiátrica, em vez de mostrar-se depreciativa ou mesmo cética, tem reagido de forma receptiva. As drogas podem marcar a primeira mudança de paradigma neste campo desde os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (SSRIs, na sigla em inglês) na década de 1980.

Em 2017, por exemplo, a Agência reguladora de Alimentos e Drogas dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) declarou o MDMA – o princípio ativo do ecstasy – como “terapia inovadora”, o que significa que sua análise será acelerada para o segundo estágio dos testes de Fase 3. Doblin espera que o MDMA consiga a aprovação da FDA até 2023.

Os psicodélicos permanecem sendo drogas do Anexo 1 em nível federal nos Estados Unidos e de Classe A no Reino Unido, mas as normas estão sendo flexibilizadas. Além da Áustria e da Espanha na União Europeia, os cogumelos de psilocibina foram descriminalizados em Washington DC e em uma série de outras cidades norte-americanas, além de terem sido legalizados para terapia em Oregon, onde o LSD também foi descriminalizado.

Uma lei para descriminalizar o LSD e psilocibina na Califórnia foi aprovada em diversos estágios de comitê fundamentais e será votada no ano que vem. Uma votação para decidir sobre o financiamento federal de pesquisas com psicodélicos chegou recentemente ao Congresso dos Estados Unidos.

Antecipando essa mudança, os pesquisadores e fornecedores clínicos de drogas psicodélicas vêm atraindo investimentos significativos. Relatórios comerciais descrevem “euforia com os psicodélicos” e “expansão dos cogumelos”.

Este fenômeno é conhecido como o “renascimento dos psicodélicos” – e promete mudanças na nossa sociedade que vão muito além dos tratamentos prescritos pelos médicos. Ao contrário de outras drogas, os psicodélicos podem alterar radicalmente a forma como as pessoas veem o mundo. Eles também trazem experiências místicas e alucinógenas que estão à margem da compreensão científica atual. Mas o que poderá acontecer se os psicodélicos se tornarem mainstream?

Esta não é a primeira onda de entusiasmo pelos psicodélicos na psiquiatria. Eles foram anunciados pela primeira vez como remédios milagrosos na década de 1950.

Ao longo de cerca de 6000 estudos com mais de 40.000 pacientes, os psicodélicos foram testados como tratamentos experimentais para uma enorme variedade de males: alcoolismo, depressão, esquizofrenia, reincidência criminal e autismo infantil. Os participantes incluíram artistas, escritores, criadores, engenheiros e cientistas. Os resultados foram promissores.

Já a partir da primeira sessão de LSD, os estudos sugeriram que a droga aliviou problemas com bebida em 59% dos alcoólicos participantes. Em experimentos com doses menores, chamadas de “psicolíticas”, muitos terapeutas ficaram surpresos com o poder do LSD como complemento à psicoterapia.

Mas isso não duraria muito tempo. Em outubro de 1966, o LSD foi proibido na Califórnia. Restrições federais se seguiriam em 1970, com a Lei das Substâncias Controladas.

Diversos rumores alarmantes chegaram às campanhas governamentais – queixas de lesões cromossômicas induzidas por LSD, bebês mutantes, que o registro de cinco, seis (ou sete) viagens tornaria você “legalmente insano” – e foram divulgados para crianças em idade escolar como Doblin (embora ele simplesmente ignorasse os avisos na época).

Isso também afetou a ciência. Exceto por poucos grupos remanescentes no Canadá e nos Estados Unidos, todo o campo da ciência dos psicodélicos desapareceria por décadas.

Os órgãos reguladores restringiram o acesso. Os financiadores perderam sua disposição. No alto da repressão nas décadas de 1970 e 1980, as tentativas de Doblin de iniciar pesquisas com psicodélicos levaram a portas fechadas e dificuldades reais de manutenção de empregos.

A narrativa convencional relaciona a repressão à carreira de Timothy Leary, cientista de Harvard que se tornou o maior promotor de LSD da contracultura na segunda metade da década de 1960. Um escândalo no seu Projeto de Psilocibina de Harvard em 1963 – quando o seu codiretor foi acusado de desviar psilocibina para estudantes – marcaria os primeiros casos de reação mais sensacionalista na imprensa.

Pouco depois, os órgãos reguladores ficariam mais preocupados com o uso de LSD como moeda no mercado negro “fora do laboratório”, com grande colaboração do ativismo de Leary depois de Harvard – incluindo alegações de que o LSD daria “milhares de orgasmos” às mulheres e incentivaria revoluções contra as instituições.

Mas esta não é a história completa. Alguns historiadores da medicina culpam a expansão da metodologia de Estudos Randomizados Controlados (RCT, na sigla em inglês) pela reação negativa.

Esta é agora a forma padrão de condução de testes clínicos e sua introdução levantou dúvidas entre os órgãos reguladores sobre o verdadeiro caráter científico da “ciência dos psicodélicos”. Os RCTs envolvem a comparação de dois grupos de pessoas: um que tomou e outro que não tomou a droga. Os participantes não podem saber em qual grupo estão, mas isso é difícil com substâncias psicodélicas.

O Experimento da Sexta-Feira Santa de 1962 – que foi uma sessão promovida em uma igreja com estudantes seminaristas para testar a capacidade da psilocibina de induzir experiências místicas – é um exemplo ilustrativo.

Metade dos pacientes recebeu a droga ativa e a outra metade recebeu placebo (todos em duplo cego), mas em 30 minutos já era evidente quem tinha recebido o quê. Os que receberam a droga vagueavam pelos campos em torpor visualizando Deus, segundo contou um dos participantes, enquanto o grupo que recebeu placebo (incluindo ele) apenas “entrelaçou os dedos e cantou os hinos”.

Entre os anos 1980 e a metade da década de 2000, foram observados sinais de mudança entre as reações negativas. Mas o recente renascimento dos psicodélicos escancarou as portas.

Ele começou com um estudo emblemático da Universidade Johns Hopkins em 2006, liderado pelo cientista Roland Griffiths, que fez carreira estudando a cafeína. Griffiths e seus coautores tentaram reproduzir o Experimento da Sexta-Feira Santa, mais de 40 anos depois. Os resultados foram impressionantes.

“É surpreendente”, segundo Griffiths, “que 67% dos voluntários tenham avaliado a experiência com psilocibina como a experiência isolada mais significativa das suas vidas, ou como uma das cinco experiências mais significativas das suas vidas”. Em outras palavras, comparável em intensidade com o casamento, nascimento de filhos, picos de carreira e outros rituais de passagem profundos.

Embora os desafios da condução de testes clínicos extensos continuem presentes, os órgãos reguladores agora estão mais abertos para os resultados dos testes com psicodélicos do que no passado.

As mudanças de valores culturais e do significado dos psicodélicos na última década foram surpreendentes.

Enquanto isso, clínicas privadas começam a ser abertas em todo o mundo. A clínica Awakn, em Bristol (Inglaterra), oferece infusões de cetamina como tratamento contra a depressão, transtorno de estresse pós-traumático, distúrbios da alimentação e adicção; embora não seja um psicodélico clássico como o LSD, altas doses de cetamina podem ocasionar experiências visionárias poderosas com potencial terapêutico.

Segundo os estudos dos antropólogos Tehseen Noorani e Joanna Steinhardt, “o entusiasmo pela cura com psicodélicos ainda é limitado. Mas as mudanças de valores culturais e do significado dos psicodélicos na última década foram surpreendentes.”

Se a tendência atual continuar, pode ser questão de tempo para que a psicoterapia assistida por psicodélicos receba o sinal verde dos órgãos reguladores.

Será que, daqui a uma década, os hospitais e clínicas poderão manter Salas de Sessões Psicodélicas equipadas com almofadas, incenso, velas e pinturas? Os médicos prescreverão comprimidos de psilocibina ou LSD, fabricados por grandes empresas farmacêuticas, com efeitos colaterais que incluem “êxtase”, “mudanças de crenças metafísicas” e “ataques agudos de pânico”? Poderemos ver a versão comercial das clínicas psicodélicas – talvez com nomes como “Pala”, “Índigo” ou “Oásis”?

É difícil saber quais serão os desdobramentos, mas, se o uso terapêutico dos psicodélicos tornar-se mais comum, este pode ser apenas o início de uma transformação significativa dos comportamentos culturais e científicos.

A cultura dos psicodélicos

O renascimento dos psicodélicos na medicina vem ocorrendo paralelamente à ampliação da cultura mainstream, algo que as drogas não experimentaram desde o início da década de 1960.

Na Europa e na América do Norte, o uso recreativo está crescendo – o uso de LSD aumentou em 50% de 2015 a 2018 nos Estados Unidos – e os psicodélicos estão se popularizando como tema nos meios de comunicação, enquanto influenciadores e celebridades estão se revelando usuários e as drogas psicodélicas estão perdendo seu estigma de forma provavelmente nunca prevista pelos seus pioneiros.

Essa presença no ambiente mainstream mudou as pessoas que estão tendo experiências psicodélicas, segundo Erik Davis, escritor e comentarista sobre psicodélicos de longa data. No século 20, os psicodélicos eram restritos a grupos alternativos: hippies, hackers, o Vale do Silício, comunidades espirituais, cultura rave e ambientalistas.

Mas atualmente o interesse vem de grupos inesperados: comunidades de bem-estar, cultura hip hop, a direita política, entusiastas de criptomoedas, comerciantes de Wall Street, financistas e pessoas comuns em busca de soluções para sua saúde mental.

É possível que observemos em breve o surgimento dos efeitos na cultura mais ampla, como vimos na música, literatura, arte e política das décadas de 1960 e 1970. Mas é improvável que uma eventual cultura psicodélica tenha a mesma aparência – ou sensação, para os usuários de psicodélicos – porque o mundo em que vivemos agora é muito diferente.

Para ajudar a entender o porquê, é possível basear-se em um conceito proposto pelo cientista social Ido Hartogsohn, denominado “collective set and setting” (comportamento e ambiente coletivo, em tradução livre). Uma parte da experiência com psicodélicos depende de fatores individuais imediatos – forma de pensar pessoal, o ambiente local ou a presença de outras pessoas.

Mas as forças sociais mais amplas também causam impacto: o espírito da época, manchetes da imprensa e conversas culturais mais amplas. A década de 1960 tinha um “comportamento e ambiente coletivo” completamente diferente, em comparação com o momento atual. As pessoas não só viviam de forma diferente, mas também tinham experiências diferentes.

Como uma mudança importante na sociedade, como, por exemplo, as mudanças climáticas, refletem-se nas experiências das pessoas?

Examine as diferentes influências dos dias atuais. Tecnologia e inteligência artificial. Conflitos políticos. Uma sensação mais generalizada de que a sociedade está caminhando “na direção errada”. Estado de vigilância.

Um cientista que entrevistei já observou, em off, uma tendência crescente de viagens “apocalípticas”, que não diminuiu durante as pressões gerais da covid-19. Paralelamente, estão surgindo viagens “messiânicas”: experiências em que as pessoas vislumbram o seu próprio papel salvador para realizar mudanças no sistema.

Como as mudanças climáticas poderão alimentar as experiências das pessoas? Isso depende do indivíduo, mas, quando consumidas no contexto correto, as drogas podem ampliar significativamente a sua conexão com a natureza. Um dos exemplos mais famosos nesse sentido é o do cofundador da Extinction Rebellion, Gail Bradbrook, que se inspirou em uma experiência com iboga para iniciar o movimento.

Por isso, um cientista social propôs o termo “ecodélico”. Outro pesquisador entrevistado pela revista Vice levantou a ideia de trazer noções ambientalistas para as sessões com psicodélicos – a ideia é alavancar a capacidade de monopolização da mente para aumentar a relação com a natureza e até reduzir o ceticismo sobre as mudanças climáticas.

Experiência mística

Abaixo da superfície, surge um efeito ainda mais radical. Tanto nos testes clínicos quanto no uso recreativo, os psicodélicos frequentemente produzem estados de “experiência mística” ou “dissolução do ego”: picos de consciência caracterizados por contentamento e boa vontade, interconexão, sensação de “sagrado”, possível “perda de si mesmo” ou até encontros com entidades espirituais e com Deus (ou deuses).

O que acontece se mais pessoas começarem a ter essas experiências? E como poderemos compreender sua natureza melhor do que entendemos atualmente?

Para os pesquisadores, a experiência mística é fundamental para a forma em que as drogas produzem esses resultados impressionantes. Isso é abordado a todo tempo em documentos e relatórios. Os estudos sugerem que, quanto maior a experiência mística, maior o benefício terapêutico alcançado. Cada vez surgem mais questionários para medir, rastrear e entender melhor a experiência mística.

Mas a ciência e a psiquiatria vêm formulando suspeitas sobre a experiência mística há séculos. “Mesmo para o público, [experiência mística] é um nome horrível”, segundo Matt Johnson, cientista de psicodélicos da Universidade Johns Hopkins, “porque ‘místico’ dá a ideia que você tem uma bola de cristal e está lançando um feitiço. Para algumas pessoas, a conotação é medieval.”

Isso significa que, apesar do papel das experiências espirituais no tecido cultural – que servem de base para manifestações da ciência, arte e religião há milênios -, elas foram cronicamente pouco estudadas.

As pessoas relutam em compartilhar suas histórias devido ao risco de estigmatização, patologia ou diagnóstico. A perda do sentido de si próprio, por exemplo, pode ser diagnosticada como “despersonalização” e uma mudança transformadora das crenças espirituais pode ser interpretada como manifestação sutil de um colapso mental.

Fora do uso psicodélico, mais pessoas tiveram experiências místicas do que você pode imaginar. Entre 1962 e 2009 – último ano com dados disponíveis – o número de americanos que relataram uma experiência mística durante a vida mais que dobrou e atingiu a metade da população.

Com isso em mente, os pesquisadores podem precisar conseguir melhor compreensão de como elas funcionam e suas consequências. A noção de que existe um único tipo de experiência mística definido, por exemplo, está sendo questionada.

Não é óbvio como suas características centrais – o infinito, o sagrado, a atemporalidade, o contentamento – se encaixam. “Existem boas possibilidades de que elas ocorram juntas, mas só porque algumas coisas acontecem juntas, isso não significa que elas são parte da mesma coisa”, afirma Johnson.

Como indica o autor Jules Evans em A arte de perder o controle (em tradução livre do inglês), a característica de união da experiência mística clínica – o sentido de perda do ego, tornando-se “uno com o todo” – também omite metade do quadro. Um terço dos fumantes de DMT, 17% dos usuários de LSD e 12% dos usuários de psilocibina relatam encontros com entidades externas. Em rituais neoxamânicos com ayahuasca, daime e iboga, essas entidades são âncoras da experiência principal.

Um paciente em um estudo sobre ayahuasca, por exemplo, descreveu um encontro típico: “Ele recebeu uma ninhada de ovos de polvo que foram postos dentro da sua cabeça. Ele interpretou isso como uma ocasião auspiciosa e escreveu que acreditava que os ovos simbolizavam uma fonte de sabedoria. Ele imediatamente reconheceu o polvo como um aliado do bem.”

Os psicodélicos são também frequentemente definidos pelas alucinações que eles causam (ou, mais precisamente, pseudoalucinações). Essas alucinações levaram os médicos, na primeira onda da década de 1950, a considerar LSD um “psicotomimético”, ou droga que imita a psicose: uma decisão que faz sentido, devido à sua tendência de formar visões extraordinárias e ouvir vozes.

Se as experiências alucinatórias chegarem ao mainstream, e não forem apenas desestigmatizadas, isso poderá representar uma mudança radical, segundo Erik Davis, pois elas são mais frequentemente associadas a condições patológicas, como a esquizofrenia. Ele sugere que este seria o ápice do atual movimento da “neurodiversidade”, que reconhece condições como ouvir vozes ou autismo como diferenças em um espectro, e não como problemas discretos a serem resolvidos.

Para Davis, a compreensão das experiências extraordinárias dos psicodélicos não deverá – e não pode – ser o único domínio da ciência. Algumas pessoas sugeriram que a literatura e a poesia podem ser um complemento útil para os questionários científicos.

Outros convocaram teólogos para que também participem da discussão. Afinal, sem uma abordagem mais ampla, ele adverte que algumas pessoas podem passar por experiências estranhas que resistem a qualquer “modelo” – e que poderão agravar sua saúde mental, em vez de melhorá-la.

A necessidade de minimizar

Os psicodélicos oferecem algo que poucas coisas conseguem: uma experiência muito além do que a nossa realidade diária poderia conceber ou esperar. Não está claro como o mercado mainstream lidará com isso. O mainstream terapêutico pode apresentar questões importantes para discussão, mas não se sabe se as instituições médicas podem lidar com elas sozinhas. “O interesse da indústria, especialmente para os médicos, é minimizar tudo isso. O que eles procuram é uma situação suavizante, curadora e restauradora”, afirma Davis.

Mas as experiências místicas, alucinógenas e transformadoras relacionadas a essas drogas podem causar mudanças muito maiores para muitas pessoas.

“Os psicodélicos são como inquéritos filosóficos”, explica Davis. “Mesmo se você não for uma pessoa filosófica, você subitamente precisa lidar [com isso] no dia seguinte. ‘O que foi tudo aquilo? O que eu faço com isso? A mensagem que recebi para parar de beber álcool foi um vislumbre de realidade? Vou levar isso a sério? Isso me torna um louco?'”

Para Rick Doblin – ainda em consequência daquela primeira viagem transformadora -, as possibilidades dos psicodélicos são profundas e vão além do ambiente clínico. Com sua organização Maps, ele pretende “legalizar os psicodélicos não apenas para os pacientes, mas para todos nós que lutamos com um mundo em ebulição… para tentar cuidar de não destruir tudo. Você poderá dizer que a estratégia é a medicalização. Mas este não é o objetivo final.”


BBC News

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